UM OLHAR - de viajante - SOBRE A RÚSSIA


     Eu sempre quis ir à Rússia. Não bastando ser o maior país do mundo, palco de elementos que definiram os contornos do século XX, cenário de inúmeros narrativas e análises que li durante e depois da vida acadêmica, a Rússia atrai por possuir um certo "mistério". Digo mistério, porque ainda é um país de certa forma desconhecido nos roteiros de viagem, especialmente dos brasileiros. 
     Queria ir à Rússia para tentar responder algumas perguntas que há muito me sabatinavam: o que realmente há por trás da Cortina de Ferro? Até que ponto minhas ideologias me permitem ver a Rússia real?

     Enfim, deixando de lado um pouco as questões políticas e sociológicas que permearam minhas ideias pré-viagem, comecei a pesquisar sobre como visitar a Rússia. Iniciei a pesquisa com a leitura de alguns blogs. A partir disso, com algumas variações, a impressão que tive foi de que o país é realmente muito diferente da Europa Ocidental, seja no comportamento das pessoas, seja nos procedimentos de viagem, seja nos elementos cotidianos. 
     Mesmo tendo a consciência de que a imagem que comumente temos da Rússia ainda é aquela que começou a ser construída a partir da Guerra Fria (portanto, um tanto manipulada), visitar o país como foi pintado pela maioria dos viajantes me deixou um pouco, digamos, apreensiva. Já estava começando a acreditar que só encontraria alguns Brutus truculentos pelo leste europeu. 
     Como eu disse, mesmo com algumas variações, após as leituras algumas coisas me pareciam muito claras:
- Não há comunicação com os russos: quase ninguém fala inglês, eles não são nada solícitos, nada simpáticos e não fazem questão de tentar te entender.
- Os policiais e autoridades russas são extremamente secos, estúpidos e mau encarados, ou seja, você poderá ter problemas ao entrar e circular pelo país.
- Os reflexos da era socialista são evidentes, e por essa razão os prédios são massivos, mau conservados e obviamente, não há nada de glamouroso nisso. 
- Tenha muito cuidado com as notas falsas que circulam pela Rússia, você pode facilmente ser enganado, especialmente quando for realizar um câmbio.
- Os russos são desorganizados, não respeitam filas e complicam até onde não se pode imaginar.
- Os russos bebem vodka o tempo todo, e o alcoolismo é um problema social gravíssimo na Rússia, portanto, não se surpreenda ao se deparar com uma pessoa caída pelas ruas ou se uma pessoa bêbada cruzar por você.
- Os russos são malucos, não é incomum ver brigas nas ruas ou coisas do tipo.
- Tenha cuidado ao andar pela Rússia, cuide dos seus pertences, especialmente à noite, especialmente mais afastado dos pontos turísticos e especialmente se você for mulher.
- O metrô na Rússia é extremamente eficiente, maaaas ... só para quem entende russo. Para quem não fala russo, o negócio é tentar contar com a sorte, pois é impossível entendê-lo.
    Além disso, viajamos para lá logo depois do abatimento do avião da Malaysia Airlines, quando a questão militar/política entre a Rússia e a Ucrânia se tornou mais tensa.
     Bom, e por aí vai ... 
     Mas já com as passagens compradas, pensei: azar, vamos lá ver qual é. 
   
  O que posso dizer é que praticamente nada disso se confirmou. Talvez por ingenuidade, talvez por estar no lugar certo e na hora certa (ou o contrário), talvez por ser só uma viagem de turismo, talvez por não querer enxergar ... mas o fato é que não, a Rússia não é nada parecida com a imagem que temos por aqui, ou que, pelo menos, eu acabei formando.

     Mas afinal, o que eu vi da/na Rússia?
- Visitei Moscou e São Petersburgo: duas cidades lindas, cada uma a seu modo. 
- Os russos são organizados (embora muito burocratizados, é verdade).
- Apesar de um trânsito pesadíssimo, as coisas funcionam, fluem, não viram um caos. Não vi nem um tumulto ou problema. 
- As ruas, praças, monumentos e espaços públicos são extremamente limpos de modo geral.
- Em Moscou a maioria das pessoas não fala inglês ou outra língua que não o russo, mas a comunicação não é impossível. Nada diferente do Brasil para os estrangeiros, onde a maioria das pessoas mal fala o português. 
- Os russos não são todos antipáticos ou com má vontade. Encontramos muitas pessoas bacanas, simpáticas, educadas e dispostas a ajudar. Nada diferente de qualquer outro lugar do mundo (com exceção da Itália. Putz, italiano é grosso mesmo).
- Se os russos bebem vodka o dia inteiro, então devem fazê-lo de modo muito discreto. Não vi nada fora do normal, ninguém caído, nenhuma comitiva de bebuns ou coisa parecida. 
- Não me senti insegura em nenhum momento, mesmo à noite. Mil vezes andar por Moscou às 23h do que em qualquer cidade dos grandes centros do Brasil.
- O russo não é um grande empecilho e não é difícil. Em dois ou três dias, conhecendo o mínimo do alfabeto cirílico e de outra língua que não o português, é possível entender muitas placas e informações.
- As pessoas andam muito bem vestidas, especialmente as mulheres. Parecem que estão todas indo para uma festa. Me sentia de pijama. E sim, as mulheres são magérrimas e lindíssimas.
- A Rússia é moderna e não arcaica. Conservam vários elementos do passado, ao mesmo tempo em que existem construções super inovadoras e a tecnologia está em todos os lugares (Wifi free nos trens de metrô? Nas praças? Aham. Te mete!). Aliás, o lance da modernidade também se reflete nas ruas. São pouquíssimos os velhos Lada circulando. O que se vê é uma avalanche de Range Rovers e BMW, pra ter uma ideia. 
- A Revolução Russa e o período soviético estão muito presentes em todos os lugares. Não sei se nos dogmas e concepções das pessoas, mas figuras e elementos que lembram este passado são visíveis em cada rua. Por exemplo: são incontáveis as estátuas e monumentos que homenageiam Lênin e são milhares as foices e martelos, sejam pintados ou esculpidos.
- Não, as tensões com a Ucrânia e todo o resto do mundo não são sentidas no cotidiano (pelo menos não em Moscou ou St. Peter, longe das fronteiras). Nem dá pra lembrar que a Rússia está no centro de algumas questões, a não ser quando se liga a tv.

     Tenho duas observações importantes a fazer.
     Primeiro: a guerra com certeza é um elemento importante da cultura russa. Existem centenas de Museus e memoriais alusivos à diferentes conflitos. Acho que a temática bélica predomina nos museus. Além disso, uma galeeeeera anda nas ruas usando alguma peça de farda militar. Tem muuuitas lojas que vende esses materiais, como também armamentos e coisas do tipo. Me chamou a atenção a quantidade de brinquedos alusivos à guerra, e os dois meninos que vi em momentos e lugares diferentes brincando com tanques de guerra em miniatura. Nos museus as exposições são montadas no sentido de mostrar não só o horror das guerras, mas também o sentido heróico e glorioso das mesmas.
     Segundo: acredito haver um forte sentimento nacionalista dentro da Rússia. Não acho que eles não falem outras línguas por falta de condições ou coisa assim, acho que eles não falam porque há uma supervalorização de tudo que é russo. Da comida, das vestimentas e de todo o resto. Eles se apropriam muito da própria história. E é um festival de bandeiras e adesivos por todo lado. 

     Enfim, acho que eu viveria na Rússia fácil, fácil (menos no inverno, rsrsrs). É um dos países mais legais em que já estive, cheio de coisas por descobrir, cheio de coisas diferentes e que despertam a curiosidade. Vale muito a pena conhecer.